Li certa vez que alguns escritores teimam em não falar sobre o que sua alma realmente gostaria de dizer. Resistem à naturalidade do chamado. Por motivos de ego e afins, escondem a vontade e a tratam com enorme vergonha ou afronta.
Escolhem outro caminho e mesmo alcançando algum ou muito êxito, nunca sentem a paixão genuína pelo que construíram. Lá no fundo, sabem que apenas juntaram palavras vazias de identificação. Nem o impacto causado no leitor por suas frases mais potentes seria capaz de camuflar a solidão de escrever por escrever.
O livro “Efeito sombra”, de Deepak Chopra, Debbie Ford e Marianne Williamson, conta que todos nós temos vergonha de uma parte da nossa personalidade. Que costumamos abafar esse traço considerado menor, a chamada “sombra”, e fingir que a característica não existe, que somos completos sem ela. Só que como parte viva que é em nós, a sombra vai reclamar seu espaço com a mesma força que a empurramos para o porão do esquecimento. Vai surgir em momentos inesperados nas respostas inconscientes e agressivas que daremos quando não houver tempo de pensar. Quando não conseguirmos segurá-la antes que entre pela porta da frente.
O negócio é que nessa sombra mora também nossa maior virtude. O lado único, que muitos chamam de dom. Quando escondemos a sombra vai com ela o que há de mais encantador em nós. É o efeito colateral, a Lei de Smurf, como dizia o inesquecível personagem Giovanni Improtta, do novelista Aguinaldo Silva. A sombra e o dom, gêmeos siameses, ruminam no escuro do porão. A sombra trama vinganças novelescas e o dom se ressente pela ausência de vontade.
Escolher esconder a sombra é o mesmo que o escritor faz quando nega a verdadeira vocação de suas palavras. Sepulta em si mesmo o medo e a graça. Mas o recorte que não foi censurado, o que é apresentado para a plateia, não sustenta o peso da verdade. Cobra, às vezes por toda a vida, a falta que lhe faz a sombra e o dom. Quer voltar a ser completo.
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